Gerência - Qualidade e Testes

Trabalhando em gaiolas

O ambiente de trabalho de alguém que faz trabalho intelecual influencia diretamente nos resultados do seu trabalho.

por Maurício Linhares de Aragão Junior



Se você é um dos "trabalhadores intelectuais" do mundo, como escritores, programadores, arquitetos, publicitários, designers, jornalistas e todas essas outras profissões que exigem que você "produza" alguma coisa a partir do seu pensamento, provavelmente já se deparou com uma daquelas grandes salas abertas cheias dos famosos "cubículos", as famigeradas caixinhas onde, magicamente, cabem uma pessoa, uma cadeira, uma mesa e alguns pedaços de um computador (alguns pedaços mesmo, porque ele termina se espalhando por outros lugares com fiação, estabilizador, filtro de linha, no-break e todos os apetrechos de brinde).

Em um mundo que busca diminuir os custos de manutenção de qualquer modo, qualquer opção de diminuição nos custos de espaço são sempre bem vindas. O metro quadrado, especialmente nas grandes metrópoles, custa tão caro que as empresas estão fazendo o possível para ocupar cada vez menos espaço com mais gente produzindo. E pra que eles sejam capazes de fazer tanta mágica, sempre tem um daqueles brilhantes vendedores de lojas de móveis que vão mostrar o quanto de espaço eles podem economizar em espaço, cabos e tudo mais com o "Super Hiper Mega Mini Cubículo".

O grande problema disso tudo é que em nenhum momento alguém parou pra fazer as contas do quanto esse corte de gastos nos móveis e no espaço para os funcionários vai custar no trabalho dos funcionários. Quando o vendedor chegou até a empresa oferecendo o produto ou quando o responsável pela mobília foi até uma loja de móveis de escritório, ele estava preocupado apenas com quanto ele deixaria de gastar em aluguel colocando o máximo de pessoas no mínimo de espaço que ele acreditava ser suficiente pra que elas trabalhassem. Afinal, porque alguém precisaria de mais do que uma mesa onde ele pode apoiar os cotovelos e colocar as pernas embaixo? Ele só precisa olhar para o monitor, nada mais.

Um pouco de lógica

Ninguém se perguntou se os novos móveis ou a estrutura de "salão aberto" afetariam na produtividade dos funcionários, até porque, mesmo que eles quisessem não conseguiriam, a maioria das pessoas acredita piamente que medir produtividade é uma coisa tão mística quando "orar em línguas". O único indício que eles têm é que todas as empresas estão fazendo isso e eles não podem ficar para trás. Usemos então um pouco da mais pura lógica de causa e efeito pra avaliar a situação.

Pessoas que fazem trabalho intelectual normalmente precisam concentrar-se para produzir, elas necessitam de um ambiente calmo, onde as interrupções sejam raras. Para que assim eles possam direcionar as suas energias à resolução dos problemas que surgem no seu dia-a-dia e não ter que ficar sempre tentando descobrir "onde foi que eu parei mesmo?".

Imagine que essas pessoas trabalham em um ambiente fechado, uma sala, com porta e paredes, que as separam dos outros ambientes do lugar. Cada uma destas salas contém, no máximo, quatro funcionários, cada um com a sua mesa, seu computador. Invariavelmente, vai haver momentos nos quais alguém está fazendo barulho, seja atendendo um telefone ou conversando com uma das outras pessoas, mas todo o barulho presente na sala é apenas o barulho que estas quatro pessoas fazem, o que, com certeza, não deve ser o suficiente para incomodar todos o dia todo ao ponto de que alguém não consiga concentrar-se ao menos por algumas horas por dia para fazer o seu trabalho.

Agora voltemos a nossa dura e cruel realidade, onde as pessoas trabalham em grandes salões atulhados de "cubículos" onde o máximo de espaçamento que existe é para que seja possível caminhar e chegar ou sair de um dos cubículos. No mesmo espaço onde estavam as nossas quatro pessoas do exemplo anterior, estão agora dezesseis cubículos contíguos, todos os ocupados por pessoas que adorariam ter um pouco de privacidade ou pelo menos silêncio o suficiente para se concentrar no que eles estão tentando fazer.

O barulho agora é quatro vezes mais freqüente do que era antes e até mesmo as possibilidades de distração podem aumentar, pois se alguém chega à sala e chamar por apenas um dos funcionários, é extremamente provável que todos os outros percam a concentração, mesmo que o chamado não seja pra eles. O espaço e a privacidade são tão pequenos que torna-se praticamente impossível concentrar-se no trabalho sem se utilizar de métodos alternativos, como fones de ouvido ou outros métodos.

Como bem lembram DeMarco e Lister em Peopleware:

"Visiting a few dozen different organizations each year, as we do, quickly convinces you that ignoring such inconvenient facts is intrinsic to many office plans. Almost without exception, the workspaces given to intellect workers are noisy, interruptive, unprivate, and sterile. Some are prettier than others, but not much more functional. No one can get any work done there. The very person who could work like a beaver in a quiet little cubbyhole with two large folding tables and a door that shuts is given instead an EZWhammo Modular Cubicle with seventy-three plastic appurtenances. Nobody shows much interest in whether it helps or hurts effectiveness."

E ainda outras conseqüências

Além de diminuir a possibilidade de concentração dos funcionários, ambientes com pouco espaço, barulhentos e onde as pessoas são interrompidas com freqüência também afetam a qualidade do produto que está sendo construído. DeMarco e Lister fazem uma avaliação do nível de barulho em uma de suas pesquisas, e os resultados também não são interessantes para empresas que não se preocupam com o lugar onde os seus profissionais trabalham:

"In order to determine whether attitude toward noise level had any correlation to work, we divided our sample into two parts, those who found the workplace acceptably quiet and those who didn"t Then we looked at the number of workers within each group Who had completed the entire exercise without a single defect. Workers who reported before the exercise that their workplace was acceptably quiet were one-third more likely to deliver zero-defect work."

O nível de barulho, nesses casos, influenciou diretamente a quantidade de falhas que os produtos apresentavam. Em um trabalho que exige um alto nível de concentração, como o desenvolvimento de software, uma pequena interrupção pode cortar toda uma linha de raciocínio e realmente adicionar um problema inesperado, pois o programador não estava imerso o suficiente no seu trabalho para escrever a rotina de forma correta.

Antes de simplesmente partir para fazer cortes de custos, é necessário saber se estes cortes não vão impactar em alguma outra área importante para a empresa. Empresas funcionam como organismos, dificilmente uma parte vive em isolamento das outras e uma alteração no funcionamento de apenas uma coisa, pode acarretar problemas em diversas outras, portanto, deve-se avaliar se o corte não vai trazer mais gastos no longo prazo.

Pessoas que fazem trabalho intelectual necessitam de ambientes calmos, livres de interrupções constantes e com um mínimo de privacidade, sem essas necessidades básicas preenchidas, elas dificilmente vão render tanto quanto poderiam e continuar cortando os investimentos no ambiente de trabalho só vai fazer com que o abismo aumente ainda mais e menos trabalho "real" possa ser feito. E quanto menos trabalho, menos produto, quanto menos produto, menos dinheiro.

E quanto menos dinheiro...

Maurício Linhares de Aragão Junior

Maurício Linhares de Aragão Junior - Graduando em Desenvolvimento de Software para a Internet (CEFET-PB) e Comunicação Social (Habilitação Jornalismo - UFPB), desenvolvedor da Phoebus Tecnologia (http://www.phoebus.com.br/), consultor e instrutor independente, membro da equipe administrativa do Grupo de Usuários Java da Paraíba - PBJUG (http://www.pbjug.org/) e moderador dos fóruns do GUJ (http://www.guj.com.br/).

Ele pode ser contactado também através de sua página pessoal, em http://maujr.org/.