Gerência - Metodologias e Processos

Ainda sobre o CMMI e o refresco

Leia nesse texto, alguns comentários adicionais do autor sobre seu último artigo.

por Mateus Velloso



Meu último artigo (http://www.linhadecodigo.com.br/artigos.asp?id_ac=1262) causou um barulho e tanto. Tenho recebido diariamente diversos e-mails sobre isso, e acho que não calculei bem o impacto que esse assunto teria. Estou sendo citado em outros sites, grupos de discussão, universidades e blogs. Teve gente querendo me citar na apresentação da tese de mestrado e até um que me contou que aconteceu uma briga no trabalho por minha causa (posso assegurar que não era essa a intenção).

Isso me levou a escrever mais um pouco agora, quero aprofundar e talvez reforçar algumas idéias que podem não ter ficado claras.

Primeiro: Sim, eu realmente não gosto de CMMI. Mas isso é questão de gosto, coisa pessoal minha como brinquei sobre gostar do Flamengo ou praia. Não quer dizer que CMMI não tenha seu propósito e não possa ser aplicado com sucesso, como também mencionei no meu artigo anterior. Teve gente que ficou tão ansiosa em me responder que obviamente nem chegou a ler o artigo até o fim. Então a esses poucos, sugiro ler de novo com mais paciência.

O meu último artigo, apesar do nome, não é bem sobre CMMI ou Agile, mas sim sobre pessoas. Acho que escrever sobre pessoas na área de TI é uma coisa tão estranha que muitos ficam pensando: “Mas que raio de tecnologia esse cara está defendendo então??” Então usei o CMMI como um exemplo de como tem gente usando processos como uma justificativa para passar por cima dos reais problemas de um ambiente corporativo, e acho que isso ficou claro para a maioria dos que leram, considerando os e-mails que eu recebi. Mas alguns me interpretaram mal, e acharam que o que eu defendo é um ambiente completamente anárquico, sem começo nem fim, sem regras, sem forma.

Confesso que tenho uma veia meio anarquista, mas longe de mim defender algo assim. Anarquia (do grego, “sem governo”), considerando alguns governos e líderes que temos aí, também no mundo corporativo, pode não ser tão ruim em alguns casos extremos, considerando o ditado “antes só que mal acompanhado”. Um dia vou escrever só sobre liderança, ainda chego lá. Eu sou formado em administração, e aprendi nesses meus 7 anos como empresário que a maior parte dos problemas que envolvem uma empresa de TI geralmente não têm nenhuma relação com questões técnicas ou processos. Geralmente os grandes problemas estão relacionados à visão do negócio e às pessoas.

Só que eu tenho visto empresas adotando CMMI, RUP, tecnologia A, B ou C, software livre, ISO, ou seja lá que for antes de discutir e corrigir problemas muito mais fundamentais e prioritários. É como querer desenvolver um software sem fazer nenhuma análise prévia. Isso sim é anarquia. Ou melhor: É caótico. É começar pelo fim para depois querer chegar ao início. Ou pior ainda, é insanidade: Querer obter resultados diferentes fazendo sempre a mesma coisa, olhando o problema pelo avesso.

Então, paradoxalmente, vejo muitos defensores de gerenciamento de processo como os verdadeiros defensores do caos, aquelas caras que têm a ânsia de sair fazendo sem observar o todo. De novo: Isso não é regra e não é culpa do CMMI, é apenas um padrão de comportamento que tem sido um tanto comum. Prova de que isso é comum é essa quantidade imensa de e-mails que eu recebi e os comentários neste site.

Toda essa questão de processos e ambiente de trabalho nos remete às perguntas fundamentais da natureza humana: Qual a sua motivação? O que te faz acordar todo dia, tomar seu banho, seu café da manhã e ir trabalhar 8, 10, 15 horas pra depois voltar para casa?

Essa é uma pergunta que pouca gente consegue responder. A maioria das pessoas passa por cima disso, e ao invés de viver, apenas sobrevive. Não abolimos a escravatura, apenas mudamos um pouco as regras.

Mas do que é que eu estou falando? Que diabos isso tem a ver com o CMMI?

Tudo.

Quando eu disse que as empresas precisam antes lidar com os problemas essenciais, um deles é justamente se perguntar o sentido das coisas. E isso se da em duas partes: Primeiro, nós humanos temos que nos perguntar o que fazemos aqui, o que queremos da nossa vida, quais os nossos objetivos. Já as empresas e seus diretores precisam se perguntar sobre o sentido daquela empresa, para quê ela existe, quais os objetivos dela, o que se espera conseguir no futuro.

Esse “quem sou eu e o que quero” é o primeiro passo nesse planejamento. As empresas escrevem sua missão e estratégia e as pessoas adotam suas filosofias de vida. E olha que esse passo já é super difícil, porque requer autoconhecimento, compreensão do que se passa conosco, nossos pontos fortes e fracos e entendimento do nosso ambiente.

Muitas empresas definem uma missão completamente genérica e imbecil. Algo como “oferecer produtos de qualidade que atendam e superem as expectativas dos nossos clientes”. Que bonito, que lindo… E daí, jacaré? Isso toda empresa quer! É lógico que ninguém vai escrever uma missão “A gente rasga dinheiro e quer mesmo que o cliente se exploda”.

Eu quero a estratégia do jogo. Quero saber se você conhece as regras, os jogadores e compreende bem o que você precisa fazer para ganhar essa briga. Isso vai muito além desse bla bla bla de agradar cliente e vender mais. Isso requer humildade, porque é preciso olhar para si mesmo com olhos críticos e entender quais são as reais fraquezas, pessoais e corporativas.

Daí, volto ao assunto do CMMI e vejo empresas que sequer têm uma estratégia adotarem esse dito cujo. É algo irracional! E mais irracional ainda é ver consultores sendo contratados por essas empresas e também não fazendo esses questionamentos a seus clientes. Ou seja, eu te contrato para me ajudar a alcançar o CMMI, você chega à minha empresa, vê que eu não sei nem onde fica o meu nariz, sequer pergunta o que eu espero conseguir do CMMI e ao invés de falar: “Peraí, meu amigo, antes você tem que pensar o que você realmente quer, que tipo de cliente deseja conquistar, quais serão seus diferenciais, como lidar com o ambiente de trabalho, com a motivação da sua equipe, com a qualificação deles e onde o CMMI entra nisso tudo, pra depois a gente vir com o cimento e colocar esses tijolos todos juntos” você simplesmente vende seu serviço. Acho absurdo, por exemplo, que justifiquem a definição de processos como uma forma de reduzir os danos do turn-over. Se o turn-over está tão freqüente que chega a causar danos, a primeira coisa é entender por que ele acontece e corrigir isso. Depois tudo bem, documente os processos para que caso algo ainda aconteça, você tenha esse conhecimento a salvo, mas isso vem depois! Deveria ser a exceção à regra!

Da para fazer analogia com outras situações, como decidir adotar (ou abandonar) o software livre porque você “acha” que vai economizar. Por quê? Porque alguém te falou que é isso que acontece? Cada empresa e cada pessoa são únicas, e o que funciona bem em um caso pode ser um desastre em outro.

Eu acho que estou ficando velho e meio rabugento, porque começo a pensar que nesse mundo de pessoas cada vez mais estressadas e deprimidas, nós precisamos de um pouco mais de reflexão antes de sair tomando decisões, tanto na vida pessoal quanto corporativa. Aliás, pelas faculdades no Brasil não se ensina praticamente nada sobre processo decisório, o que é uma grande lástima. Então alguns de nossos gerentes e diretores acabam decidindo muito por intuição, por “achismo”, e correm todos os riscos inerentes a essa metodologia. Ta vendo? Ta aí um processo que deveria ter prioridade de investimento: Processo decisório. E depois tem gente que fala que eu não gosto de processo…

“Ah, para decidir você antes precisa de números…”

Será? Como vou saber de que números vou precisar se eu não sei nem o que quero da minha empresa? Esses números provavelmente vão me dizer: “Você precisa produzir mais, melhor, mais barato e mais rápido. Ah, também precisa vender mais!”. Precisa de número para me dizer isso? E apontamento de horas então?

Alguns gerentes precisam entender melhor como as variáveis de causa e conseqüência se relacionam em alguns casos. Se você diz para seus funcionários que eles precisam ter pelo menos 7.5 horas “produtivas” no dia e da uma ferramenta de apontamento de horas para eles, eles vão apontar 7.5 horas “produtivas”, mesmo que isso exista só no papel. É ação e reação, causa e conseqüência. Nosso cérebro, assim como o de outros animais, funciona por recompensas e punições. Acabo de me lembrar da minha irmã, que tentava ensinar o cachorrinho dela a não fazer xixi no tapete. Daí ela esfregava o focinho dele no tapete toda vez que ele fazia xixi lá. Depois de um tempo ele aprendeu: Fazia xixi e logo depois esfregava o focinho em cima.

Quer saber como obter a informação mais valiosa para te ajudar a decidir? Pergunte à sua equipe comercial o que seus clientes falam da sua empresa e depois peça a seus funcionários para fazer o mesmo, anonimamente, para que eles tenham liberdade de dizer o que pensam. Ta aí, isso sim é informação para embasar boas decisões.

Números são importantes, mas podem ser usados para o bem ou para o mal. Os matemáticos sabem bem que qualquer um distorce uma estatística para provar o que querem que ela prove. Já dizia a celebre frase: “Torture os números e eles irão te confessar o que você quiser”. Lembrei até daquela piadinha, de que comer pão te deixa agressivo, já que 80% dos assassinos comeram pão no dia que mataram alguém. A conta mais fácil e besta que existe é provar que uma empresa precisa cortar custos. “Ta vendo? Você gasta X, se gastasse X/2 sobrava mais X/2!”. E daí? Será que é isso que eu preciso? Devo demitir todo mundo então?

Então o que eu acho (e digo “acho” porque meu lado agnóstico não me permite ter lá muitas certezas na vida) que seja necessário, antes de ficar discutindo se CMMI, Agile ou o que for é bom ou ruim, seria:

1- Conhece-te a ti mesmo. (Isso vale para pessoas e corporações) Observe seus reais problemas, sejam eles de gestão de pessoas, estratégicos, financeiros, técnicos ou de processos (lembre-se: para isso é preciso humildade. Quem não tem humildade não vê os próprios defeitos, e portanto nunca evolui)

2- Conheça o jogo. Que jogo você está jogando? Quais seus oponentes? Que fatores internos ou externos devem afetar suas estratégias? Quais regras você é obrigado a seguir e que tipo de inovação elas deixam espaço para você fazer?

3- Monte sua estratégia. Sim, empresas e órgãos públicos dependem de dinheiro, precisam ser cada vez mais eficientes, competentes, oferecer mais qualidade, a um custo baixo. Então tendo em vista todo o conhecimento obtido nos itens 1 e 2, o que fazer? Em que pontos atuar? Como? (Lembre-se que dinheiro é a conseqüência, mas os fatores a se atuar são de diversas naturezas)

4- Faça do ambiente de trabalho um lugar saudável, motivante (eu sei que é difícil, se fosse fácil todo mundo já estava fazendo!). Aqui eu cito um célebre aforismo de Ralph Waldo Emerson: “Nothing great was ever achieved without enthusiasm”. Você passa pelo menos 1/3 do seu dia no trabalho, então o mínimo a se exigir é que este seja um bom lugar de se estar. E nem vou falar aqui de produtividade associada à motivação, só quero dizer que a vida tem que ser mais do que simplesmente sentar numa cadeira por 8 horas escrevendo uma coisa que você não gosta num ambiente que você odeia com um objetivo que você (e provavelmente seu chefe também) desconhece.

Então me perguntaram um monte de coisas nesses e-mails, sobre como eu acho que devem lidar com isso ou com aquilo, e sinceramente eu não tenho resposta para muitas dessas perguntas. Algumas eu quero explorar e escrever muito mais ainda, mas por agora é só isso que eu queria dizer.

Mateus Velloso

Mateus Velloso - MVP de Visual Developer - Solutions Architect
Bacharel em administração de empresas, ex-sócio e consultor em tecnologia da Flag Intelliwan, atualmente atua como Principal Software Architect na Telecom New Zealand, possui também as certificações: MCP, MCSA, MCAD, MCSD, MCSE, MCDBA, MCT, MCTS SQL 2005, OCP, SCJP e SAP Business One Consultant. Atua em projetos de tecnologia, construção de frameworks de desenvolvimento e também na área de automação industrial.