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Extreme Programming: Programação em Par

Programação em par é uma das práticas mais conhecidas e mais polêmicas utilizadas pelos que adotam o Extreme Programming. Ela sugere que todo e qualquer código produzido no projeto seja sempre implementado por duas pessoas juntas, diante do mesmo computador, revezando-se no teclado.

por Vinícius Manhães Teles



Programação em par é uma das práticas mais conhecidas e mais polêmicas utilizadas pelos que adotam o Extreme Programming. Ela sugere que todo e qualquer código produzido no projeto seja sempre implementado por duas pessoas juntas, diante do mesmo computador, revezando-se no teclado.

À primeira vista, a programação em par parece ser uma prática fadada ao fracasso e ao desperdício. Afinal, embora possa haver benefícios, temos a impressão de que ela irá consumir mais recursos ou irá elevar o tempo do desenvolvimento. Entretanto, não é exatamente isso o que ocorre.

O par

Você embarcaria em um avião que não tivesse um co-piloto? Provavelmente não, porque mesmo que você não ligasse para isso, a companhia aérea se preocupa (e muito) com essa questão, de modo que ela nem cogita permitir uma coisa dessas. Mas, para que serve um co-piloto se, na prática, seria perfeitamente possível pilotar um avião com uma única pessoa? Aliás, cada vez mais, é o próprio computador de bordo quem faz a maior parte do trabalho. Então, porque as companhias aéreas fazem questão de ter piloto e co-piloto em 100% dos vôos?

O que aconteceria se o piloto tivesse uma dor de barriga exatamente na hora do pouso, por exemplo? Havendo um co-piloto, isso não seria um problema (a propósito, tomara que eles não tenham almoçado no mesmo restaurante). Acredita-se (e as estatistísticas confirmam) que a chance de duas pessoas errarem seja significativamente menor que a chance de uma única pessoa se equivocar. No caso da aviação, falhas humanas podem ter consequências drásticas. Os custos materiais podem ser elevados e o custo humano pode ser impagável. Por essa razão, entre outras, companhias aéreas colocam dois profissionais (exaustivamente treinados e relativamente caros) para fazer o trabalho que um só poderia fazer tranquilamente.

Isso não é suficiente para garantir a segurança de um vôo, outros mecanismos também são usados e representam papéis essenciais. Porém a utilização de um co-piloto é uma das práticas que colaboram para elevar a segurança dos vôos. Embora pareça inconcebível colocar dois profissionais para fazer o trabalho que apenas um poderia fazer sozinho, como a programação em par sugere, as práticas da aviação são um exemplo de que a utilização de pares também é adotada em outras áreas, nas quais são, inclusive, bastante valorizadas.

A indústria de software

O Chaos Report do ano 2000, produzido pelo Standish Group, que pesquisou 280 mil projetos de software nos EUA, revelou que 72% dos projetos falham devido a um dos seguintes fatores:

a) Consomem mais recursos que o orçado
b) Consomem mais tempo que o estimado
c) Não entregam o que foi combinado
d) Todas as alternativas acima em conjunto

Infelizmente a letra d) é a regra geral. Além disso, os atrasos normalmente representam 63% mais tempo que o estimado, os gastos normalmente são 45% maiores que o orçado e no geral apenas 67% das funcionalidades prometidas são efetivamente entregues. Destes 280 mil projetos, 23% deles fracassaram tão vigorosamente que chegaram a ser cancelados (são "apenas" 64.400 projetos).

Estamos falando de uma indústria na qual 72% do que se produz falha! Se fôssemos fazer uma comparação grosseira com a aviação, é como se disséssemos que a cada 100 aviões que sobem, 100 descem (um tanto inevitável), porém 72 deles não levantam vôo nunca mais (só uma maneira light de dizer que você iria preferir não estar em um destes vôos). Se olharmos software como um investimento, que é exatamente o que ele representa para a empresa que decide contratar seu desenvolvimento, é como se estivéssemos olhando para uma ação na bolsa de valores que tem 72% de chances de dar prejuízo. Imagine você comprando uma ação com essa característica. Pois isso é o que uma empresa faz atualmente quando decide contratar um projeto de desenvolvimento. Feliz dela, pois só estamos nesse pé porque as coisas andam melhorando. Em 1994, a taxa de fracassos era de 84%.

No ano passado, a Revista Exame mostrou uma reportagem trazendo números do Software Engineering Institute na qual comentava exaustivamente sobre a enorme quantidade de erros cometidos pelos desenvolvedores e a quantidade monumental de dinheiro que as economias de todo o mundo acabam desperdiçando por conta destes erros. A reportagem trazia resultados de pesquisas que indicavam que um programador experiente normalmente insere um erro a cada 10 linhas de código. Eu costumo brincar com isso e dizer que, sendo assim, um programador mais lento é menos arriscado do que um apressadinho. Pois esse último tem uma taxa de inserção de bugs maior.

Estes números demonstram que a indústria de software poderia fazer bom uso de práticas inovadoras que possam ajudar a eliminar tais problemas de maneiras mais eficazes do que se tem observado até hoje. As metodologias ágeis surgiram há poucos anos como uma alternativa a formas mais tradicionais de desenvolvimento de software. Baseadas em práticas que se assemelham muito com as usadas nos processos Just in Time criados na Toyota, na década de 50, metodologias ágeis como o Extreme Programming se baseiam em um conjunto de práticas coeso que pode ser eficaz em inúmeros projetos. A programação em par é uma destas práticas e tem grande potencial para resolver diversos problemas que afetam os projetos de software, embora não todos, naturalmente. Um dos principais benefícios da programação em par é a permanente inspeção de código que ocorre durante seu uso.

Detecção de bugs

A programação em par é uma forma eficaz de reduzir a incidência de bugs em um sistema. Isso se deve em grande parte às visões complementares que atuam durante o uso dessa prática. Quando dois desenvolvedores estão programando em par, um deles está com as mãos no teclado e no mouse. O outro está sentado ao lado, olhando para a mesma tela e preocupado em resolver o mesmo problema. Ambos estão trabalhando juntos na solução, embora apenas um esteja com as mãos no teclado. Eles conversam o tempo todo e trocam idéias sobre a solução.

A pessoa que está conduzindo o teclado (condutor) tem um campo de observação diferente do seu parceiro. Quem digita normalmente está olhando sobretudo para a linha que está editando e adjacências. O navegador, por sua vez, tem uma visão mais ampla e olha não apenas a linha que está sendo editada, mas também o restante do código que aparece na tela. Ao fazer isso, ele acaba tendo uma visão complementar que freqüentemente revela problemas que o condutor não percebe com a mesma rapidez. Usando uma metáfora para ilustrar essa questão, imagine que uma pessoa está dirigindo um carro, enquanto outra está no carona. A pessoa que dirige tem uma visão geral das redondezas, mas foca a maior parte do tempo no carro adiante. Existe uma preocupação constante em não deixar o carro atingir o que está à frente, e isso exige atenção constante. Já a pessoa que está no carona, também observa que há um carro adiante, mas tem menos preocupação com essa questão. Por isso, acaba olhando mais para as redondezas, vê a paisagem com mais tranqüilidade e tem condições de sinalizar problemas que o motorista só detectaria mais adiante. Por exemplo, em função de sua visão complementar, o carona pode alertar o motorista para que mude para outra faixa, visto que aquela na qual se encontram está fechada algumas centenas de metros à frente e o condutor ainda não teve condições de notar isso. Essa visão complementar, quando trazida para o código, permite que o navegador atue mais como um estrategista, olhando para o código como um todo e identificando problemas que passam despercebidos para quem está mais preocupado com a linha que está sendo digitada.

Em 1971, em um livro chamado The Psychology of Computer Programming, Gerald Weinberg mostrou que o olho humano tem uma incrível capacidade de só enxergar aquilo que deseja e, naturalmente, ignorar aquilo que não quer ver. Ele diz o seguinte: "programadores, se deixados por conta própria, ignoram os erros mais gritantes, os quais qualquer pessoa seria capaz de detectar instantaneamente". Isso se deve a um princípio bastante estudado na psicologia chamado dissonância cognitiva. Temos a tendência natural, como programadores, de acreditar que aquilo que escrevemos está certo. Inclusive, somos capazes de reler uma linha de código, que contém um erro de digitação e não enxergá-lo, mesmo depois de ler a mesma linha inúmeras vezes. Trata-se de uma pequena (e desagradável) peça que o cérebro nos prega. Contudo, um pequeno erro que passe despercebido para o condutor normalmente é notado pelo navegador por ter uma visão complementar e não ser afetado pela dissonância cognitiva de seu colega.

Quem trabalha continuamente com programação em par se habitua a corrigir e ter seu trabalho corrigido dezenas de vezes ao dia. A incidência de erros identificados pelo colega costuma ser tão elevada que surpreende quem não está acostumado ao uso da técnica. Depois de um dia ou dois experimentando a programação em par, muitas pessoas se perguntam como alguém as permite trabalhar sozinhas. É o tipo de coisa que não é intuitivo, mas acontece e só é claramente perceptível quando se experimenta a técnica.

Equipes que trabalham em par conseguem reduzir drasticamente a inserção de defeitos em seus códigos. Isso é uma mensagem compartilhada e repetida por todos que estão habituados a essa técnica. Atualmente, existem diversas pesquisas demonstrando este fato, tais como a reportada no artigo da IEEE Software Strengthening the case for pair programming. Isso isoladamente já é um ponto positivo em favor da utilização da programação em par, especialmente se levarmos em conta os números apresentados anteriormente sobre a indústria de software. Mas, essa é uma daquelas técnicas simples, porém com resultados positivos em inúmeros aspectos e a detecção de bugs é apenas um deles. Esse aspecto, inclusive, não chega a ser novidade. Há muito tempo se pesquisa sobre técnicas de inspeção de código e já se sabe que elas são muito eficazes na redução de bugs. Atualmente, isso já não é mais assunto passível de grandes discussões, pois existe material de sobra mostrando isso. Nesse sentido, a programação em par nada mais é do que a incorporação da técnica de inspeção de código a tudo o que é produzido no projeto, o tempo todo. Ou seja, é apenas uma técnica comprovadamente eficaz (a inspeção de código) que passa a ser utilizada em seu grau mais elevado, isto é, o tempo todo.

Simplicidade

A programação em par ajuda os desenvolvedores a criarem soluções mais simples, mais rápidas de implementar e mais fáceis de manter. Isso ocorre em grande parte devido à oportunidade de dialogar e trocar idéias sobre programas que estejam sendo desenvolvidos. Quando nos deparamos com um problema, buscamos uma solução usando todo e qualquer recurso que esteja a nossa disposição. E, assim que encontramos uma solução, encerramos a busca e a utilizamos. O detalhe é que existem duas grandes categorias de problemas: os convergentes e os divergentes. Os convergentes são aqueles que aceitam uma única resposta certa. Os divergentes são aqueles que aceitam várias soluções. Problemas convergentes são raros. Normalmente são vivenciados pelas crianças no jardim de infância. São fáceis de resolver porque só há uma resposta certa. Os divergentes, por sua vez, são os mais comuns e estão ao nosso redor o tempo todo. Eles aceitam inúmeras soluções, algumas mais eficazes, outras menos.

Quando tentamos resolver um problema sozinhos, normalmente adotamos a primeira solução que encontrarmos, pois isso trata-se de uma característica psicológica conhecida como "tunelamento". Uma vez identificada uma solução, é como se entrássemos em um túnel e não enxergássemos mais nada além daquele caminho. Essa característica é ruim porque a primeira solução encontrada nem sempre é a melhor, a mais eficiente, mais simples ou mais rápida de implementar. Mas, como seres humanos, somos assim e se nos deixarem sozinhos, é exatamente isso que tenderemos a fazer.

A programação em par elimina esse problema. Quando o par se depara com um problema, cada programador começa a imaginar individualmente uma solução para ele. Depois, eles começam a discutir as soluções imaginadas. A partir desse diálogo é comum surgir uma terceira alternativa contendo características das duas anteriores. A conversa continua e de repente têm-se quatro, cinco, seis caminhos diferentes a serem escolhidos. Eventualmente, um deles acaba se revelando mais simples, ou mais rápido ou mais eficiente ou tudo isso em conjunto. Isso é bastante comum quando se programa em par e o efeito é bem perceptível: o par consegue executar a atividade mais rapidamente do que se um desenvolvedor estivesse programando sozinho. Além disso, a solução frequentemente é mais simples e mais fácil de ser compreendida por outras pessoas. A programação em par explora a diversidade de idéias que é rara de ser observada quando se programa sozinho.

Pressão do par

Se um desenvolver trabalha oito horas por dia, engana-se quem pensa que ele realmente produza durante essas oito horas. De modo geral, o aproveitamento de um programador trabalhando sozinho raramente chega sequer a 50% do tempo que passa na frente do computador. Ao longo do dia, ele lida com seu programa, bem como inúmeros emails, instant messages, telefonemas, pessoas interrompendo-o para comentar sobre o jogo do dia anterior e assim por diante. Além disso, mesmo que não houvesse nenhum agente externo para tirar a sua atenção, ele normalmente se dispersa de tempos em tempos por uma razão simples. Programar é uma atividade complexa, que exige muita atenção e lida com uma grande quantidade de variáveis que, com freqüência, se comportam de maneiras indesejáveis. De tempos em tempos o programador precisa descansar e refrescar o pensamento pra ser capaz de continuar. Isso por si só já seria suficiente para fazê-lo dispersar-se várias vezes ao dia. Somando-se às inúmeras interrupções por que costuma passar, o desenvolvedor acaba dedicando menos tempo do que se imagina produzindo funcionalidades. Ainda assim, uma boa dose do tempo que consegue dedicar à programação acaba sendo consumido em depuração de erros que ele próprio produziu.

A programação em par produz um efeito conhecido como pressão do par que faz com que os desenvolvedores tenham maior foco na atividade e faz com que isso se mantenha por mais tempo. Imagine que você esteja programando em par e, de repente, resolva olhar seus emails. Trata-se de uma situação embaraçosa. Primeiro, porque há uma pessoa ao seu lado que poderá acabar lendo seus emails (e dependendo do que você ande trocando por aí, isso pode ser bastante constrangedor). Segundo porque você estará interrompendo o seu trabalho e o do seu amigo. Ou seja, há uma responsabilidade compartilhada. Quando um pára, o outro também acaba sendo prejudicado. Normalmente, não gostamos de decepcionar nossos colegas, portanto, quando programamos em par procuramos manter o maior foco possível na atividade para não atrapalhar ninguém. A responsabilidade é maior e isso faz com que o foco também o seja.

Maior foco significa menos dispersões ao longo do dia, o que por sua vez significa que a empresa aproveita melhor o tempo que o desenvolvedor passa com ela. Mas, como fica a necessidade de descansar de tempos em tempos? Quando programam em par, os desenvolvedores se revezam no teclado. Normalmente, a pessoa que está digitando se cansa mais do que o navegador. Sendo assim, de tempos em tempos o teclado troca de mãos, permitindo ao programador que o estava utilizando descansar um pouco, embora continue engajado na atividade, colaborando para a construção da solução. Sendo assim, a programação em par acaba servindo como uma forma de equilibrar a necessidade de trabalhar com o maior foco possível e, ao mesmo tempo, descansar de tempos em tempos.

Recentemente conversei com o dono de uma empresa na qual iniciamos a implantação do XP há pouco mais de um ano. Lá, eles utilizam XP atualmente em todas as suas equipes, todos trabalham em par e utilizam as demais práticas do XP. O dono me disse que o que ele mais gostou no XP foi a programação em par. Quando escutei isso, achei que tivesse escutado errado e pedi que ele repetisse, afinal, não acreditei que a pessoa que estava pagando aqueles desenvolvedores também fosse a mais entusiasmada em ter dois deles "fazendo o trabalho que um só poderia fazer sozinho". Então ele me explicou que em 20 anos de empresa, jamais tinha visto as pessoas trabalhando tanto tempo focadas da forma que via agora. Ele disse que no passado, observava que raramente os desenvolvedores utilizavam mais que metade do tempo que passavam na empresa de forma útil. E isso obviamente não era das coisas que ele mais apreciava, afinal era ele quem pagava. Por outro lado, depois que as pessoas começaram a programar em par, ele passou a notar que de um modo geral as pessoas conseguiam aproveitar no mínimo 75% do tempo que estavam no trabalho de forma extremamente útil. Isso mostra que, ao contrário do que possa parecer à primeira vista, a programação em par não consome mais recursos, pelo contrário. Ela aproveita melhor as pessoas tornando-as mais produtivas.

Disseminação do conhecimento

Uma das características mais marcantes da programação em par é a sua capacidade de disseminação de conhecimento, especialmente em projetos XP, nos quais os desenvolvedores sempre trocam de pares, fazendo com que haja maior compartilhamento de informações ao longo do projeto. Além disso, os desenvolvedores também se revezam no desenvolvimento das funcionalidades. Isto é, hoje estou trabalhando em uma parte do sistema e amanhã posso vir a codificar outra parte completamente diferente, com outro par. Esse revezamento se dá de maneira simples.

Suponha que hoje iniciei o dia trabalhando com João em uma funcionalidade. Na parte da tarde, por exemplo, João vai trabalhar com outra pessoa, em outra parte do sistema. Por sua vez, Patricia vem trabalhar comigo. No início, passo de 5 a 10 minutos lhe explicando o que eu e o João havíamos iniciado. A partir daí, ela pode simplesmente me ajudar a continuar na mesma linha de ação, bem como pode notar que há uma forma mais simples de atacar o problema. Se esse for o caso, ela me explica e com isso a solução está sendo oxigenada com uma visão renovada, não viciada, que muitas vezes acaba reduzindo o tempo total de desenvolvimento. Daí por diante, passamos a tarde desenvolvendo, por exemplo, de modo que na manhã do dia seguinte eu vou trabalhar com outra pessoa e o Fábio vem trabalhar com a Patrícia. Como ela já passou a tarde do dia anterior trabalhando na funcionalidade, eu pude deixar o par tranqüilamente, pois ela já conhece o problema tão bem quanto eu. Em resumo, para que o revezamento ocorra de forma adequada, é importante que sempre haja alguém no par que já esteja trabalhando há mais tempo na funcionalidade, para que possa contextualizar a pessoa que está chegando. Isso é fácil de fazer se nós garantirmos que apenas uma única pessoa do par será trocada a cada vez que o revezamento ocorrer. Isso preserva o histórico e permite rotacionar. Entretanto, é essencial que a pessoa que tenha ficado no par, necessariamente saia dele no próximo revezamento. Isso garante que todas as pessoas na equipe tenham a oportunidade de trocar de pares.

O problema mais nítido desta abordagem é o tempo que se gasta para contextualizar a pessoa que está chegando. Esse tempo pode ser grande ou pequeno, dependendo do tamanho da funcionalidade e da freqüência de trocas. De modo geral, procuramos assegurar que as funcionalidades sejam sempre quebradas para que fiquem suficientemente pequenas (o que por si só já faz com que a contextualização tenda a ser rápida). Isso é conseguido aplicando certos parâmetros ao jogo do planejamento. Nós por exemplo, trabalhamos com o hábito de assegurar que qualquer história possa ser desenvolvida em par em no máximo três dias. Caso seja estimada em um tempo superior, pedimos ao cliente que quebre a história até que esteja dentro desse parâmetro. Além disso, procuramos rotacionar os pares com freqüência para que o um par nunca passe tanto tempo junto, ao ponto de ter que explicar uma quantidade enorme de coisas para a próxima pessoa que estiver chegando no par. Então, de um modo geral limitamos as sessões de pareamento a uma manhã ou uma tarde, porque não se produz tanto assim neste período de tempo. Isso faz com que a quantidade de informações a serem transmitidas seja menor e diminui o tempo de contextualização.

Esse tempo, embora possa parecer um overhead, freqüentemente se paga de duas formas: maior compartilhamento de conhecimento e oxigenação da funcionalidade. Cansei de presenciar situações nas quais uma pessoa ingressou no par e, com uma visão ainda não viciada, conseguiu perceber formas melhores e bem mais rápidas de solucionar o problema.

O aprendizado em par é particularmente rico porque ocorre o que é chamado de aprendizado situado. Há um problema para ser resolvido, há uma contribuição clara para o projeto caso ele seja resolvido, existe um contexto bem definido no qual aquele problema se encontra e existe uma pessoa ao seu lado que muitas vezes já conhece a solução. Quando este é o caso, o seu aprendizado é muito rico porque, primeiro, há um grande interesse seu em saber a solução. Nós sempre aprendemos melhor e com mais afinco quando temos um problema real para resolver. Especialmente quando sabemos que a resolução dele irá contribuir de alguma forma para outras pessoas. Nós gostamos de contribuir com as pessoas a nossa volta. Então, na programação em par, existe uma primeira componente fundamental que é a necessidade. E uma segunda que é o desejo de contribuir. Além disso, temos ao nosso lado uma pessoa que sabe resolver o problema e, o que é melhor, ela pode dialogar conosco e explicar. O diálogo é a forma mais rica de comunicação e ele permite que as pessoas recebam feedback facilmente. Desta forma, enquanto seu colega lhe explica algo, você pode fazer gestos ou ter expressões faciais que demonstrem que não está captando a mensagem. Seu colega instintivamente pode captar esse feedback e explicar melhor a solução. O problema em questão pode ser técnico ou de negócio. Às vezes o seu colega entende melhor o negócio associado àquela parte do código por já ter trabalhado com ele em outro projeto. Eventualmente sabe melhor um determinado aspecto técnico porque teve aulas daquele assunto em um curso que fez e você não. Às vezes é o contrário e você é quem ensina. Na verdade, durante a programação em par, as pessoas naturalmente se revezam no papel de "professor" e "aluno".

Mesmo quando ambos não sabem resolver o problema, é mais rápido pesquisar sobre ele quando se está em par. Ambos podem, por exemplo, compartilhar idéias sobre termos a serem buscados no Google, podem lembrar de livros que têm a disposição, que possa ter a solução, podem lembrar de diferentes pessoas que talvez saibam a solução e possam ser procuradas, entre outras coisas.

A maior disseminação do conhecimento rapidamente eleva as habilidades técnicas dos membros da equipe. Isso tem efeitos extraordinários no médio e longo prazos, porque quanto mais habilidoso um desenvolvedor é, melhores se tornam as suas soluções. Elas ficam mais claras, mais limpas, mais fáceis de compreender e se acerta mais vezes. Além disso, normalmente se consegue gerar tais soluções com maior rapidez. O efeito cumulativo de inúmeras soluções melhores e mais rápidas ao longo do projeto representa um enorme ganho de produtividade. Mas, não é tudo.

Também há a disseminação de conhecimento sobre o negócio, que leva mais pessoas a saberem solucionar questões em qualquer parte do projeto, o que naturalmente aumenta a robustez da equipe. Ou seja, se alguém faltar por qualquer razão, se um desenvolvedor entrar de férias ou se uma pessoa decidir mudar de emprego, isso não impede a equipe de seguir adiante. Naturalmente há uma perda na força de trabalho, mas não há uma situação em que se perca uma pessoa sem a qual o projeto não possa sobreviver. O projeto consegue sobreviver bem a mudanças de pessoal porque muita gente sabe sobre muita coisa. É quase impossível apenas uma pessoa saber sobre um assunto do projeto a tal ponto de comprometê-lo caso não apareça mais.

Isso obviamente é bom para o projeto, mas também é excelente para os desenvolvedores, que podem tirar férias, visitar médicos ou faltar por qualquer razão que se faça necessária, com a tranqüilidade de saber que a equipe não terá que importuná-lo. A equipe consegue seguir adiante com ou sem ele. Em muitas empresas, é comum os desenvolvedores terem dificuldades para tirar férias, por exemplo, tamanha é a dependência de um projeto sobre ele. E isso naturalmente é ruim para ele e péssimo para o projeto. Esse tipo de coisas não existe quando se utiliza a programação em par.

Confiança

A programação em par também é uma forma de fazer com que o desenvolvedor tenha mais confiança no código que produz. Afinal, o código foi produzido por ele e mais outra pessoa que o ajudou a revisá-lo. Quando sabemos que mais uma pessoa, ou talvez várias, já olharam para o código no qual trabalhamos e estão de acordo sobre o mesmo, temos maior confiança de que ele realmente irá funcionar. Isso significa que a programação em par reduz o estresse do desenvolvedor. Primeiro, porque várias pessoas conhecem e concordam com a solução, segundo porque nenhum erro cometido no projeto é exclusivo de uma única pessoa. Quando há um erro, não existe um culpado. A responsabilidade é da equipe como um todo, porque várias pessoas tiveram a chance de editar aquele código. Essa capacidade de deixar anônimo o responsável por uma falha, que em outras palavras, significa que toda a equipe é responsável por qualquer falha, é um dos aspectos sociais mais interessantes do XP, porque reduz a possibilidade de brigas e desentendimentos dentro da equipe, além de tornar todos mais compreensivos uns com os outros. Naturalmente o estresse reduz-se e as pessoas convivem melhor dentro do projeto.

Velocidade

O conjunto de características apresentadas acima faz com que a programação em par acelere o desenvolvimento significativamente, embora à primeira vista pareça o contrário. Em função da redução de bugs (e conseqüente redução no tempo de depuração), pressão do par, maior simplicidade das soluções, disseminação do conhecimento, maior confiança nas soluções, entre outros efeitos que a programação em par produz, uma atividade feita em par normalmente é encerrada mais rapidamente que outra feita por um programador solitário. Existem pesquisas indicando que se uma atividade é feita em 8 horas por um desenvolvedor sozinho, será feita em aproximadamente 4 horas por um par. O que significa que, mesmo no curto prazo, não existem diferenças significativas de produtividade. Pois, em ambos os caso se estão consumindo basicamente os mesmos 8 homem-hora. A Laurie Williams, por exemplo, tem diversas estudos nessa linha. Eu os respeito, mas os considero pouco significativos em relação ao que ocorre realmente nos projetos, porque os problemas solucionados durante estes experimentos são muito simples. E os problemas que os projetos reais enfrentam são bem mais complexos. Entretanto, quanto mais difícil a situação, quanto mais complexo o problema, maior é o ganho da programação em par.

Pelo que observo nos projetos, pela complexidade daquilo que se busca resolver, não me parece que a programação em par consuma a mesma quantidade de recursos. Parece-me que consome bem menos, porque é exatamente diante dos problemas complexos que a oportunidade de discutir inúmeras soluções mais agrega valor. É exatamente nestes casos que conseguimos descobrir formas mais simples que realmente economizam muito trabalho que, um programador sozinho, eventualmente não imaginaria. Quanto mais complexo o problema, mais importante a capacidade de descobrir bugs rapidamente com o processo permanente de inspeção de código. Quanto mais difícil o problema, maior é a importância da pressão do par para evitar a dispersão. Quanto mais difícil, mais importante é a disseminação do conhecimento para que mais pessoas compreendam os problemas e se tornem cada vez mais habilidosas em resolvê-los.

Programação em par não consome mais recursos, não duplica o número de desenvolvedores necessários ao projeto, nem duplica o tempo de desenvolvimento. Na verdade, por mais paradoxal e contra-intuitivo que possa parecer, a programação em par poupa recursos. Lembre-se, as pessoas erram. Se todos fossem perfeitos, a programação em par possivelmente só serviria para duplicar recursos, elevar o tempo e encarecer o projeto. Mas, a questão fundamental é perceber que as pessoas erram e erram com mais freqüência do que se imagina. A programação em par ajuda a reduzir a incidência de problemas e torna os projetos mais produtivos.

Problemas

Programar em par exige que as pessoas envolvidas sejam receptivas, compreensivas umas com as outras, engajadas e, sobretudo, humildes. É necessário aceitar que somos falíveis para que possamos programar em par. Weinberg criou o termo egoless programming, ou seja, programação sem ego. É essencial que o desenvolvedor não veja o código como uma extensão de si próprio. Ele não pode achar que um erro no código significa uma falha sua como pessoa. O código é apenas uma obra que tem vida própria e não representa o caráter e a personalidade de quem o criou. Pois, se o desenvolvedor imaginar que o código representa a si próprio, dificilmente irá buscar problemas e falhas no código. Afinal, ninguém gosta de saber que tem falhas. O código precisa ser visto como algo que não representa a personalidade de seu criador. Isso é mais fácil de se obter quando se programa em par, pois neste caso, o código é a contribuição de várias pessoas e não de uma única.

Pode parecer que desenvolvedores, freqüentemente introspectivos e muitas vezes pouco sociais, tenham dificuldades significativas para lidar com a programação em par. Isso realmente acontece com alguns, porém poucos. Aqueles que trabalham com programação em par observam que naturalmente há um pequeno desconforto inicial em muitos casos, mas em quase todos as pessoas se adaptam rapidamente e aprendem a valorizar bastante a programação em par à medida que percebem o benefício dela. Na minha experiência particular tenho notado isso consistentemente, tanto no mercado, quanto no nível acadêmico.

No mercado, tive a oportunidade de trabalhar com algumas dezenas de desenvolvedores com programação em par, em diversos projetos XP e, em todos os casos, os desenvolvedores se adaptaram bem a essa técnica e nenhuma das equipes pensa em voltar atrás. Todas mantém a prática de forma consistente, algumas há quase dois anos. Na UFRJ, onde ministrei curso de XP para a graduação diversas vezes, meu alunos (que de um modo geral são dos últimos períodos) não trabalhavam antes com a programação em par e sempre acabaram se adaptando bem a ela com uma ou outra exceção. As exceções existem, mas são apenas exceções.

Adoção

Apesar de tudo o que foi dito acima, se você acredita que a programação em par não funcionaria no seu caso ou no caso da sua empresa, provavelmente você está certo e não há muito mais o que eu possa fazer aqui. Em todo o caso, antes de jogar a idéia fora, a minha sugestão é que você a experimente por alguns dias. Não durante uma ou duas horas apenas. Tente utilizá-la, por exemplo, durante uma semana, apenas para fazer um pequeno experimento. Imagino o quanto o seu projeto deva ser importante e como você tem pouco tempo, mas experimentar durante alguns dias não fará um mal tão grande assim. No pior dos casos, você realmente terá perdido algum tempo. Mas, se tudo der certo, talvez você descubra uma tremenda oportunidade de melhorar seu projeto e ganhar muito tempo adiante. Tente experimentar, de mente aberta, apenas por poucos dias. Afinal, é sempre fácil dizer que algo não funciona sem experimentar, mas normalmente é muito mais recompensador e instrutivo se dar a chance de experimentar. Porque quando funciona, você ganha alguma coisa nova, mas mesmo se não funcionar, no mínimo você passa a poder dizer que não funciona e que você sabe disso, por ter experimentado. Ninguém vai poder dizer que você não tem autoridade para falar do assunto.

Programação em par é uma técnica que tem várias justificativas, porém só se percebe o seu real valor utilizando. Muitas coisas que acontecem naturalmente durante o seu uso, só são realmente percebidas enquanto se utiliza. A teoria, as justificativas, as pesquisas, os resultados estatísticos, entre outros são interessantes e têm o seu papel, mas o que realmente faz a diferença é experimentar e sentir os seus efeitos. Isso vale mais do que qualquer palavra que você tenha lido até aqui, mais do que qualquer pesquisa ou qualquer coisa que falem com você a esse respeito. E, a propósito, se for possível, experimente não apenas com outro desenvolvedor, mas com vários. Assim, você terá a exata noção do que a programação em par pode fazer por você e um gostinho de uma das partes do XP.

Vinícius Manhães Teles

Vinícius Manhães Teles - Sócio-diretor e fundador da Improve It, autor do primeiro livro escrito no Brasil sobre Extreme Programming. Atua periodicamente como coach em Extreme Programming, orientação a objetos e Java. É mestre e bacharel em informática pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e um dos pioneiros na utilização do Extreme Programming no Brasil, tendo atuado em diversos projetos XP, em empresas tais como Vale do Rio Doce, Tema Sistemas, Ancar, Paggo, entre outras.
Também é fundador e coordenador do Grupo XP Rio, que promove o uso do Extreme Programming no Rio de Janeiro. Além disso, é um palestrante conhecido, tendo feito apresentações sobre XP em dezenas de empresas e eventos em todo o Brasil.
Entre em contato com o autor no seguinte endereço:
http://www.improveit.com.br/vinicius.jsp